A curiosidade pelo que acontece no mundo das elites parece ser uma constante. E claro, não apenas a curiosidade como também a inevitável vontade de dispor das mesmas possibilidades. O que poucos são capazes de ver é que nem todo dinheiro e privilégio são capazes de expurgar o tédio ou o quanto esse esforço para evita-lo podem levar a uma degradação talvez irreversível. É um panorama desse mundo que promete o livro de estreia de Marcelo Vicintin, publicado pela Companhia da Letras.
Sobre o livro:
“Dizem que o dinheiro não muda ninguém, apenas desmascara; e é num mundo sem máscaras que as predileções humanas ficam mais claras.” Esta é a síntese de um romance em que dois narradores privilegiados se alternam para contar cada um a sua história. Um deles é Egydio, herdeiro de uma empresa de navegação, que cumpre pena em prisão domiciliar após ser flagrado por uma força-tarefa da Polícia Federal; a outra é Marilu, espécie de arrivista em busca da imagem perfeita, mergulhada num presente frenético e incerto. São personagens que não buscam a simpatia do leitor, pelo contrário. Mas seu encanto está justamente no que neles há de corrompido. É necessário considerar as nuances da escrita ― a meio caminho entre a paródia e a crítica, procurando abarcar um contexto muito mais amplo, o do Brasil desse início de anos 2020 ― para que se possa adentrar no coração desta que, sem dúvida, é uma das estreias literárias mais corrosivas e corajosas dos últimos anos.”
O que eu achei
Escrito em primeira pessoa, a história é contada pelo ponto de vista de dois personagens: um herdeiro e empresário em prisão domiciliar e uma vaidosa alpinista social de um modo no qual espera-se que estejam intercaladas. Logo de imediato é possível notar diferenças gritantes nas vozes dos personagens:
Egydio, o herdeiro da empresa de navegação da família é um sujeito com uma vida interior intensa, digamos assim. Talvez por ele estar tomado pelo tédio ele tenha muito a dizer. Muito, muito mesmo. Infinitas e infinitas páginas mesmo quando ele não tinha nada a dizer ou acrescentar. Muitas digressões sendo que poucas representavam algo para a trama. Verborragia mesmo.
Tudo isso muda quando a narrativa passa a ser de Maria Luiza. Talvez refletindo sua superficialidade como alpinista social, ela tem pouco a oferecer. Mesmo sua história é considerada secundária. Toda a verborragia pertence a Egydio. A ela cabe aquilo que é considerado fútil e sem importância. Mesmo os momentos em que hábitos descritos são os mesmos parece que o peso dado aos acontecimentos é diferente. Maria Luiza é vista como ambiciosa porém simplória: um retrato dos tempos atuais. Já Egydio também é ambicioso, mas também puro enlevo. Digamos que ele se justifica de uma maneira que consideramos melhor, ou talvez apenas deixamos de dar atenção porque afinal é um sujeito rico, de família respeitável e chato pra caramba.
Algo que me deixou desconfortável a respeito foi a simplicidade no tratamento de Maria Luiza. Atribuo esse ponto ao fato de que deve ter sido mais fácil e confortável para o autor escrever e formular o que dizia respeito a Egydio. Enquanto ele ficou a cargo de toda verborragia e dono dos holofotes, Maria Luiza acabou coadjuvante em um livro no qual deveria ser uma das protagonistas. Diante disso não haveria prejuízos a história caso o livro fosse menor. Pelo menos haveria um equilíbrio.
Durante o livro você espera que a história de ambos acabe interligada de algum modo. Bom, quando isso ocorre não é de uma maneira completa, mas sim algo dispensável. Algo que o leitor mal notaria a menos que esteja prestando atenção.
Fiquei um tanto decepcionada pelo final. A narrativa se perdeu e o desfecho soou estranho. O recurso de finais em aberto pode ser interessante a depender das circunstâncias, mas não funcionou nesse livro, ou pelo menos não do modo como foi formulado.
Na minha avaliação dou três corujas e é o bastante.
Título: As Sobras de Ontem
Autor: Marcelo Vicintin
Publicado em: 2020
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