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A Garota da Biblioteca

Iniciando o Desafio Literário 2017 proposto pela Sybylla, acabei fuçando meu Kindle em busca de livros que se encaixassem nas categorias propostas. Foi quando me lembrei de “Precisamos de Novos Nomes” esperando pacientemente em meio a um monte de coleções no dispositivo. Hora perfeita para começar o desafio, não? Então acabei escolhendo essa obra para o quesito "livro com personagem não branco".


Sinopse:
NoViolet Bulawayo nasceu em 1981, no Zimbábue, e fez parte da primeira geração nascida depois da independência oficial do país. Sua infância se passou, portanto, sob um clima de confiança, estabilidade e esperança. Muito diferente do cenário em que vivem Darling, Bastard, Chipo, Godknows, Sbho e Stina, as crianças com nomes peculiares que figuram em Precisamos de novos nomes, seu romance de estreia.
Essas crianças a cada dia tentam fugir de Paraíso, o aglomerado de barracos de zinco onde elas e suas famílias vivem desde que suas antigas casas foram demolidas violentamente a mando do governo. As fugas são para perto, para Budapeste, o bairro vizinho onde roubam as goiabas do quintal das casas das famílias brancas e ricas, ou ainda com as brincadeiras que criam para se distrair do cotidiano entediante sem escola nem comida: fingem procurar Bin Laden para ganhar a recompensa do governo americano; criam um jogo em que os países mais poderosos invadem os países menores. As fugas acontecem também quando sentem um misto de vergonha e empolgação ao se aglomerarem ao redor dos carros das ongs que lhes trazem presentes e roupas inadequadas.
Mas é a vida de Darling, a protagonista-narradora, que o romance acompanha. A menina de dez anos que conhecemos em suas brincadeiras no Paraíso, sonha com o dia em que morará na América. Esse dia finalmente chega e Darling terá de enfrentar o frio, a saudade de sua família e de seus amigos e a adaptação nesse país que nunca vai se tornar o seu país de fato, mas que mudará seu sotaque, moldará o olhar do mundo e a afastará, irremediavelmente, de sua terra natal.
Precisamos de novos nomes é um romance de formação, cuja protagonista ao mesmo tempo precisa enfrentar as novidades da adolescência e da vida adulta que chega e se adaptar a uma terra onde sempre será estrangeira.
Os assassinatos políticos, o estupro, o charlatanismo de alguns religiosos, a aids, a fome, enfim, tudo aquilo que a imprensa ocidental reafirma a respeito dos países africanos estão neste livro, mas muito distintamente contada por uma voz ao mesmo tempo cruel e inocente, a voz de uma criança sensível, esperta e sonhadora.

O Livro:

Narrado em 1ª pessoa, o leitor contempla o mundo com os olhos de Darling, que começa a história com cerca de 10 anos. Seu cotidiano revela um cenário muito longe de uma infância idílica: em plena crise interna, seu país está a beira de um colapso, a pobreza é generalizada, tal como a violência: um companheiro indesejável, porém próximo em todos os sentidos. O ar chega a estar carregado e basta um mínimo ato para que todo o frágil equilíbrio se desfaça e o caos seja a única certeza.

Em meio a todo esse turbilhão, Darling e seus amigos roubam goiabas, procuram brincadeiras para passar o tempo e, de uma certa forma, esquecer o passado e o cenário de incertezas que os cercam, seja nos grandes acontecimentos ou mesmo nos atos de violência que parecem menores em comparação com o retrato desses tempos. Seus olhos contemplam tudo e narram de uma maneira tão crua e inocente que chega a ser desconcertante. Sabe a ideia da honestidade infantil a toda prova? É o que temos aqui.

O tempo passa e, com o colapso iminente tomando conta de seu país, a menina é enviada aos Estados Unidos para morar com a tia – o chamado "sonho americano", tão antigo e ainda tão atual. Uma vez que ela deixa o seu lar, podemos acompanhar seu crescimento. Sua voz narrativa amadurece aos poucos, bem como sua percepção de mundo. Com isso nos deparamos com alguns sentimentos típicos de imigrantes: pequenas peças que compõem um quebra-cabeças complexo, um cenário muito ambíguo: a diferença entre o sonho e a realidade, a saudade de casa e o sentimento de inadequação e de não pertencer a nenhum dos dois lugares. Ou seja: situações emocionalmente conflitantes somados ainda aos desafios já habituais de adolescência e juventude.

Avaliação:


Confesso que tive algumas dificuldades e precisei de algum tempo para pensar sobre o livro e também a respeito do que escreveria. A voz da infância de Darling é fácil de ler, e visualizar mesmo o que está nas entrelinhas. O problema é quando o seu tom começa a mudar a medida em que o tempo passa após sua chegada aos Estados Unidos. Não sobre sua adolescência, mas sua juventude, quando ela começa a discorrer mais sobre a saudade de casa, as diferenças culturais e o cotidiano de dificuldades de quem é imigrante ilegal, não apenas oriundo de países da África, mas também de outros locais, em especial falando da despersonalização e na invisibilidade ao qual essas pessoas se obrigam a viver para permanecer no que ela chama de prisão, nesse caso, uma prisão escolhida:


“Não voltávamos para nossa terra para visitar porque não tínhamos os documentos para nosso retorno, então fícavamos, sabendo que se fôssemos não poderíamos entrar de novo na América. Ficávamos, como prisioneiros, só que escolhemos ser prisioneiros e adorávamos nossa prisão; não era uma prisão ruim. E como as coisas só pioravam no nosso país, apertávamos ainda mais os nossos grilhões e dizíamos, Não vamos embora da América, não, não vamos embora”

O meu problema está longe de ser a escrita ou qualquer coisa nesse sentido. Meu desconforto foi sentir a voz da personagem soando tão envelhecida a ponto de fazer o leitor pensar em uma passagem brusca de tempo na qual Darling pudesse ter constituído família e até chegado a meia idade. Um tom que muda no capítulo seguinte e ganha mais jovialidade, sendo mais próximo da idade da personagem, destoando do que parecia ser a proposta. 

Não que essa parte do livro tenha sido ruim – longe disso, afinal muitas das reflexões mais interessantes sobre imigração e saudades de casa estavam ali – mas o capítulo parecia fora do lugar e fez a história perder a sensação de continuidade, quase transformando o livro em uma obra sobre pequenos relatos, algo parecido com contos, mas talvez organizado sem muito cuidado. Como se cortasse o clima e a atmosfera anterior. Por vezes o que veio depois disso soou arrastado e tedioso. Sobre esses trechos, cheguei a pensar que talvez os capítulos estivessem fora de ordem na criação do ebook. Para ser sincera, ainda sou capaz de crer nessa hipótese. 

Também tive alguns problemas com o final do livro, sobre o ponto no qual ele é interrompido. Foi algo abrupto e que fazia sentido para a história, embora obviamente isso não o torne menos desconfortável. Talvez outros recursos fossem mais interessantes nesse ponto.

Ok, não é um livro grande: menos de 300 páginas. Ele abarca vários itens sem grande profundidade - ato esse responsável pela maior parte das críticas sobre a obra no Goodreads. Mas pelo menos para mim a sua densidade é revelado de uma forma diferente. Denso na crueza, na honestidade, na inocência e na ingenuidade. É um livro sobre resiliência, saudades e referências. Também é um livro sobre sentimento de não pertencer, seja a América ou em sua própria terra natal e, acima de tudo, sobre recomeços.

Outro ponto importante: as temáticas soam tão próximas que é inevitável fazer a comparação com Americanah, de Chimamanda Ngozi Adichie. Evitar esse tipo de comparação injusta foi uma das minhas maiores dificuldades. Quem tentar fazer esse tipo de experiência sem dúvida considerará "Precisamos de Novos Nomes" como um livro ao qual falta profundidade, mas na prática temos elementos diferentes em jogo. Ifemelu era uma mulher feita, com experiência acadêmica e que um cenário com mais oportunidades, enquanto Darling teve a vida virada pelo avesso muito cedo, passando pelas experiências de uma maneira muito crua e intensa sem a mesma maturidade. Entende o quanto a comparação é injusta?

De qualquer modo terminei o livro pensando que Ifemelu e Darling poderiam ser boas amigas. Mesmo com muitas diferenças, cada uma com suas vivências, experiências e personalidades, tive a sensação de que elas se completam de alguma maneira.

Darling é uma personagem incrível em todos os sentidos, com seus conflitos e suas reflexões. Seu olhar sobre o mundo – seja o de Paraíso, Budapeste ou sobre a América – é capaz de fazer o leitor rir, sentir-se desconfortável e até mesmo ir as lágrimas. Isso me faz considerar a autora sendo muito habilidosa no uso da narrativa em 1ª pessoa, recurso do qual francamente não gosto. Isso é o suficiente para me fazer ter curiosidade em ler mais livros de NoViolet Bulawayo.

Pensando nos itens anteriores, talvez minha avaliação fosse de três corujas e meia, mas vou arredondar para quatro corujinhas e sem medo de ser feliz.


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