Resenha: Dias de Mel, de Annia Ciezadlo

by - sábado, janeiro 09, 2016

Não é de hoje que os livros a respeito do Oriente Médio me atraem a atenção. Desde que me entendo por leitora sempre tive vários deles em minhas estantes e também em listas de leitura, em especial as biografias. Porém, passei um bom tempo longe desses livros, visto que volta e meia passo por uma overdose de temáticas e apenas eventualmente me arrisco em romper esse tipo jejum literário. Esse foi o caso de "Dias de Mel" e que teve um saldo positivo.




Sinopse:
Em 2003, Annia Ciezadlo resolve passar a lua de mel em Bagdá. O destino nada óbvio para uma norte-americana se justifica pela decisão de seu marido Mohamad, que era jornalista nos Estados Unidos, de cobrir a invasão do Iraque e voltar ao Líbano, sua terra natal. Neste livro, a autora fala sobre os anos na Bagdá ocupada pelas forças de Coalizão e na Beirute marcada pelas divisões sectárias. Fala também sobre o dia a dia das pessoas, sua relação com a família de Mohamad, as diferenças culturais entre Oriente e Ocidente e sobre a possibilidade de resolver os conflitos com uma mesa cuidadosamente preparada

Bem, acho que diante da sinopse nem preciso entrar muito em detalhes. Ela já diz tudo o que é preciso dizer, em especial a imensa variedade de assuntos que ela tenta abarcar em um único livro. E note que logo no início do texto eu mencionei que o 'saldo foi positivo', um claro indicativo de que existem alguns problemas ali e acolá e devo dizer que foi justamente por querer abordar mais do que poderia: muitos temas em um mesmo livro.

Basicamente ocorre que o tema predominante é comida. Até a primeira metade do livro os outros temas coexistem, mas de uma maneira confortável, sem que soe cansativo. Depois disso ela suspende o tema em prol dos diversos conflitos ocorridos em Beirute. Passa muito tempo batendo na mesma tecla e esquece abruptamente do tema principal para voltar a abordá-lo somente mais tarde, e ainda assim de forma superficial. Isso fez com que eu me sentisse um orientador de monografia gritando pro aluno focar no tema, enquanto este simplesmente ignorava porque baixou a inspiração. E claro, quando baixa a inspiração você precisa dar corda e trabalhar na ideia, seja como for e do jeito que der.

Esse foi o ponto frustrante da minha leitura. Não sei dizer se é algo que poderia ser resolvido após uma primeira revisão, se havia uma outra forma possível de compor o mosaico que ela se propôs a construir, mas essa falta de direção me chamou a atenção. Mas devo explicar também a razão que me fez considerar o saldo positivo: embora a autora tenha se perdido em vários momentos, as suas propostas foram fascinantes e me fez encontrar muitos pontos interessantes.

Um dos pontos que gostei foi ter mais detalhes sobre o Iraque. A maior parte dos livros disponíveis no mercado literário abordam o Irã, Afeganistão, Paquistão e Árabia Saudita. Volta e meia também é possível encontrar Líbano e Líbia (em menor escala) como pontos de temática, mas não o Iraque, e isso foi enriquecedor. Preencheu uma boa lacuna da minha curiosidade O cotidiano no país antes, durante e após Saddam Hussein relatado para a autora através dos amigos que ela fez durante sua estadia, e também seu plano de descobrir a culinária local, mesmo que muitos insistissem que essa culinária simplesmente não existia. E sim, ela conseguiu.

Além disso, o grande acerto do livro foi investir na ideia de que, mesmo entre tantos problemas, guerras e conflitos as pessoas tentam manter uma espécie de normalidade e ter uma continuação de suas rotinas mesmo isso significando o apego aos pequenos rituais e gestos do dia-a-dia, mesmo quando as coisas parecem desmoronar ao seu redor e tudo é tão frágil. Claro, é o que sabemos que acontece, mas a ênfase nos relatos que ganham a mídia dificilmente cobre esse ponto. A ficção muitas vezes mostra esse tipo de força, mas muitas vezes ela perde sua essência devido a exigências de mercado. Não é o caso de "Dias de Mel" e isso me agradou muito.

Saldo positivo? Claro que sim. Positivo a ponto da minha avaliação ter quatro corujinhas:

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