Resenha: 12 Anos de Escravidão, de Solomon Northup

by - sexta-feira, abril 18, 2014


Vivemos atualmente em uma sociedade na qual a ideia de justiça vem sendo muito questionada, tanto na vida real quanto na ficção. E claro, como podemos constatar, estamos bem longe de viver em um mundo minimamente justo. Porém, um pouco dessa tão desejada justiça ocorre quando certas histórias são contadas e finalmente ganham o mundo. Desse modo pelo menos há a sensação de que certas coisas não aconteceram em vão.

Esse é um bom modo de ver a história de Solomon Northup, especialmente agora que está sob todos os holofotes:



12 Anos de EscravidãoAutor: Solomon Northup
Editora: Seoman | 232 páginas
A obra que originou o filme 12 Anos de Escravidão retrata a história de Solomon Northup, um homem negro nascido livre nos Estados Unidos, que após ter recebido uma falsa proposta de trabalho, foi sequestrado, drogado e comercializado como escravo, e passou doze anos em cativeiro, trabalhando, na maior parte do tempo, em uma plantação de algodão na Louisiana. Após seu resgate, Northup, com uma escrita simples e ágil, retrata os registros excepcionalmente vívidos e detalhados da vida de um escravo. Este é um dos poucos retratos da escravidão americana, redigido por alguém tão culto quanto Solomon Northup — uma pessoa que viveu sua vida sob a óptica de uma dupla perspectiva: ter sido tanto um homem livre como um escravo.

Nascido como um homem livre, em 1841 Northup foi sequestrado e vendido como escravo, passando mais de uma década em cativeiro, sendo libertado somente em 1853. Após o resgate, Solomon e seu editor passaram três meses trabalhando em um livro de memórias, cuja publicação alcançou a marca de 17 mil exemplares vendidos nos primeiros quatro meses, e chegou a 30 mil em 1855, dois anos após a primeira edição. Um feito e tanto levando em consideração a época de publicação e também o tema, considerado um tabu.

Atualmente, 160 anos depois dos acontecimentos parece difícil encontrar quem não conheça a história de Solomon Northup: adaptado ao cinema e premiado com duas estatuetas na última edição do Oscar - incluindo a de melhor filme. Com isso a história ultrapassou e muito os costumeiros 15 minutos de fama dos quais muitas histórias não são capazes de ir além. E impulsionado pelo sucesso do filme, novamente "12 anos de Escravidão" foi alçado ao status de bestseller.

Bom, vamos ao que interessa: o livro é narrado em primeira pessoa e segue os acontecimentos em ordem cronológica, iniciando brevemente por sua vida anterior ao sequestro, dando detalhes de sua educação e dos meios de vida que dispõe. Os leitores mais impacientes não precisam esperar muitas páginas para que o pesadelo comece. Basta que tenham paciência suficiente para terem o contexto adequado e informações para compreender como as coisas aconteceram e entender o significado do que é ter a vida e a liberdade tomadas de si.

Solomon é inteligente e narra de maneira sagaz. Na maior parte do tempo consegue manter um distanciamento entre as próprias emoções e os fatos, o que é surpreendente em uma autobiografia. Ele fala com generosidade a respeito de alguns de seus senhores bem como mantém frieza em relação àqueles que o maltrataram, sendo aparentemente bastante franco sobre o que lhe aconteceu. Curiosamente ele também é capaz de despertar risadas vez ou outra com a forma pela qual se revolta contra alguns de seus donos, como Tibeats. O mesmo pode ser dito de momentos com Epps, seu último dono, mas imagino que deva ter tido outra abordagem no filme.

Outro ponto interessante é que o livro é pequeno tendo em vista o volume de acontecimentos. Do mesmo modo, surpreende a escrita fluida, levando em consideração a época em que foi escrito. Claro que não é uma leitura rápida, até mesmo pelo peso dos acontecimentos, mas é uma obra bastante simples. Na maior parte do tempo até mesmo momentos mais dramáticos são narrados com alguma distância. Nada que dificulte o sentimento de empatia, mas certamente o efeito do drama é menor. Talvez pela intenção de ser um documento e pouco houvesse o intuito de angariar empatia e comoção a qualquer custo, o que imagino que não seria bem visto naquele tempo. De qualquer modo, o tema em si não necessita de um esforço deliberado nesse sentido e isso é bom.

solomon northup
Chiwetel Ejiofor na adaptação do livro para o cinema

Algo que me surpreendeu bastante é que a narrativa é praticamente desprovida da ideia de ego - um problema muito comum de autobiografias e biografias de pessoas vivas. Ok, em alguns momentos ele pode se exaltar na descrição de ferramentas criadas e construídas por si, mas esse tipo de coisa está longe de ocupar a maior parte do livro. A escrita em si só fica tediosa no momento em que ele passa a descrever detalhes de manufaturas e ofícios que exerceu enquanto escravo, mas isso é compreensível devido ao caráter documental da obra.

Por tudo que "12 Anos de Escravidão" representa e por tudo que essa história significa, quatro corujas e uma forte recomendação para leitura.

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