Resenha: A Abadia de Northanger, de Jane Austen

by - segunda-feira, abril 28, 2014

Nos últimos tempos tenho passado por um período de interesse por Jane Austen. Tive o primeiro contato com a autora ainda na faculdade, sem que ninguém tivesse me indicado, mas tive de deixar o interesse de lado em prol de trabalhos e TCC. Anos depois o interesse ressurgiu e mais voraz que nunca: durante as últimas semanas tenho lido os livros, adaptações baseadas em seu trabalho, assistido filmes e séries e lido resenhas, biografias e análises.

Dessa lista de itens pendentes para ler, faltava um de seus grandes romances: A Abadia de Northanger, do qual pude suprir essa falta agora. Mas posso dizer que a espera valeu a pena.



A Abadia de NorthangerAutora: Jane Austen
Editora: BestBolso | 256 páginas
A Abadia de Northanger é considerado um dos trabalhos mais ligeiros e divertidos de Jane Austen. De facto, para além dos ambientes aristocráticos da fina-flor inglesa do século XVIII, encontramos aqui uma certa dose de ironia, sátira e até comentário literário bem-humorado.
Catherine Morland é porventura a mais estúpida das heroínas de Austen. A própria insistência no termo “heroína” ao longo da obra e a constatação recorrente do quão pouco este epíteto se adequa à personagem central fazem parte da carga irônica da história. E se Catherine é ingênua para lá do que seria aceitável, e o seu amado Henry a personificação de todas as virtudes masculinas mais do que seria saudável, a perfídia dos maus da fita - amigos falsos, interesseiros e fúteis – não lhes fica atrás no exagero. Tudo isto seria deveras irritante não fora o tom divertido com que Austen assume ao longo das duas partes que constituem este livro o quão inverossímeis são as suas personagens…Acrescente-se a paródia do romance gótico e do exagero em que induz as suas leitoras, e uma crítica inteligente aos críticos que acusam o romance de ser fútil e “coisa de mulheres”, e temos uma interessante historieta de amor, escrita com bastante graça e capaz de ultrapassar a moralidade caduca que nos habituamos a esperar da pena de Jane Austen.
A Abadia de Northanger foi o primeiro romance concluído pela autora, porém um dos últimos a chegarem ao público, sendo editado e vendido postumamente em 1818, juntamente com Persuasão, um ano após o falecimento de Austen. Volume no qual, aliás, finalmente é revelado o nome da autora e sua morte, já que, embora suas obras já tivessem conquistado fama, sua identidade era mantida em segredo.

O livro também tem uma história interessante: embora tivesse sido sua primeira obra concluída, o manuscrito chegou a ser vendido, sob o título de “Susan”. mas não publicado. Intrigada com a demora na publicação após seis anos em aguardo, Austen escreveu ao editor inquirindo a esse respeito em 1809, após o sucesso de “Razão e Sensibilidade” utilizando-se de pseudônimo. A resposta que recebeu não foi nada boa: os editores ofereceram a ela a devolução do manuscrito mediante o pagamento de dez libras: mesmo valor pelo qual compraram a obra anteriormente. Na ocasião, o valor lhe pareceu alto demais e ela teve de se conformar, porém posteriormente os originais foram recuperados por seu irmão. Desde então o romance passou por vários processos de reescrita. Portanto, temos em mãos uma obra que precisou de muita paciência de sua autora para ter seu quinhão de mérito. E merecido, diga-se de passagem

Feito para ser uma sátira ao gênero gótico, best-sellers do período, a narrativa é recheada de ironia e tiradas sarcásticas tanto sobre a ingenuidade de sua personagem principal quanto a ganância das outras personalidades criadas por sua pena. Tendo em mente o fato de Jane Austen ser famosa pela criação de obras que prezavam por ordem, controle e moralidade, por obras densas como “Orgulho e Preconceito”, chega a ser surpreendente se dar conta do quanto sua imaginação – e sua pena – eram afiadas. Veja um exemplo:

A sra. Morland era uma mulher muito boa e queria que seus filhos se saíssem muito bem na vida, que contassem com apoio incondicional, mas seu tempo era exaurido nos longos descansos que se seguiam aos partos e no aprendizado dos pequenos, de modo que inevitavelmente as filhas mais velhas tinham de se arranjar por conta própria; e não era lá muito esplêndido o fato de Catherine, que por natureza não tinha em si nada de heroico, aos catorze anos gostasse mais de críquete, beisebol, andar a cavalo e correr pelo campo do que de livros, ou pelo menos de livros informativos – pois desde não fornecessem nada que se assemelhasse a conhecimento útil, desde que contivessem apenas narrativa e nenhum e nenhum resquício de reflexão, ela jamais manifestou qualquer tipo de objeção aos livros. Mas dos quinze aos dezessete anos Catherine treinou para ser uma heroína: leu todas as obras que as heroínas precisam ler a fim de abastecer suas memórias com aquelas citações que são aproveitáveis e tranquilizadoras nas vicissitudes de suas vidas aventurosas.

A Abadia de Northanger é um livro leve, fluído e engraçado a ponto de poder ser compreendido quase universalmente em seu humor. É algo que recomendo para quem quer ter uma primeira experiência com Jane Austen já que sua obra magna é bastante árida para quem está começando. Vale realmente a pena.

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3 comentários

  1. Oi! Resenha muito legal e bem escrita!
    Se pudesse olhar meu blog, ainda estou começando...
    http://umaoverdoseliteraria.blogspot.com.br/
    Obrigada!

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  2. Olá! Estive pesquisando um pouco sobre blogs de leitura e achei o seu bastante interessante. Principalmente pelo fato de que eu amo ler e ter o gostinho de dividir com alguém isso é muito bom.

    Estou seguindo você, espero que dê uma passadinha no meu blog para que possamos dividir experiências e muitos textos/poesias :))

    Beijoo

    Marihana Cirne

    http://asmilfaces.blogspot.com.br/

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  3. Oi, Emanuelle!
    Encontrei seu blog por acaso, mas gostei muito dos seus textos. =)
    Estou bem curiosa quanto a Jane Austen. Pretendo ler algo da autora em breve (mas talvez comece com o famoso Orgulho e Preconceito).
    Beijos,

    Priscilla
    http://infinitasvidas.wordpress.com

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